sábado, 6 de dezembro de 2008

17ª Crônica de Lya Luft para "Revista Veja" em 10/11/2004

Brasil, mostra a sua (outra) cara "Europeus e americanos costumam ser desinformados a respeito do que se passa fora de seu país. Não nos dão importância suficiente e lhes basta a imagem de exotismo que transmitimos. Mas, em grande parte, isso ocorre porque nós não sabemos mostrar nosso rosto mais civilizado" Esta coluna não vai como crítica a nenhum governo ou pessoa, mas talvez possa ser encarada como uma autocrítica de brasileira. A questão é: por que, em ocasiões especiais e recepções a autoridades estrangeiras, nos limitamos a promover o Brasil com escolas de samba? Ilustração Atômica Studio Atenção, não sou contra o Carnaval. Um de meus sonhos é assistir a um desfile no Rio, porque sei que é arrebatador. Não me crucifiquem da mesma forma que ocorreu quando escrevi uma coluna sobre as baleias. Por causa dela, muitos me julgaram inimiga da natureza, a que odeia animais, a que deseja a extinção dos simpáticos cetáceos e do resto também – quando eu apenas disse que baleias não me emocionam tanto quanto seres humanos (se os que preferem cachorros a pessoas continuam aborrecidos, o que posso fazer?). Então, que fique registrado: não sou contra o Carnaval, nada tenho contra mulatas ou negras ou brancas, lindas ou feias, mostrando suas habilidades no samba. Gosto de música popular, sim, gosto de samba, e costumo dizer que não há depressão que resista a um bom ritmo brasileiro. Isso explicado (em vão, provavelmente), indago por que não acolhemos convidados ou nos apresentamos no exterior com uma boa orquestra sinfônica, um conjunto de câmara, um pouco de música clássica brasileira. Sei que de vez em quando o fazemos, mas poderia ser uma iniciativa mais freqüente. Houve uma feira de livros em Frankfurt na qual a sala dedicada ao Brasil estava ornamentada com jarras de caipirinha, TVs ligadas mostrando Carnaval, praias e até favelas. Sobre as mesas, desordenadamente dispostos (para não dizer jogados), havia alguns livros de autores brasileiros. Pois é. Como esse tipo de coisa é a regra, não a exceção, não deveríamos nos aborrecer quando estrangeiros se espantam ao saber que aqui há professores fantásticos, excelentes universidades, escritores e até mesmo editoras. Lembro-me de que, ainda assim, certa vez tive vontade de brigar com um intelectual holandês. Num congresso de escritores em Toronto, no Canadá, ele me disse, espantado, que jamais imaginara que no Brasil houvesse pessoas cultas. Europeus e americanos costumam ser desinformados a respeito do que se passa fora de seu país. Não nos dão importância suficiente e lhes basta a imagem de exotismo que transmitimos. Mas, em grande parte, isso ocorre porque nós não sabemos mostrar nosso rosto mais civilizado. Por mais belos e instigantes que sejam corpos e música e ritmos, por mais comovente (ou assustadora e constrangedora) que seja a visão de nossa pobreza, temos outras coisas a expor, além dessas. Pena que não aproveitemos algumas boas ocasiões para consertar nossa imagem até diante de nós mesmos. Não fingindo que tudo vai bem, não arrumando a sala apenas quando o convidado chega, mas mostrando aos outros o que temos de bom, de pacífico, de ordeiro, até de sofisticado. Não precisamos nos sentir inferiores, porque não somos inferiores. Mas às vezes nos esquecemos disso. Lya Luft é escritora

Nenhum comentário: