sábado, 6 de dezembro de 2008

32ªCrônica de Lya Luft escrita por Lya Luft para "Revista Veja"em 15/06/2005

Ponto de vista: Lya Luft Quero a pena de morte "Leio que na Espanha descobrem uma rede de 'estupradores de bebês'. Aqui no Brasil acabam de flagrar um indivíduo recordista em matéria de fotos obscenas com crianças. O que desejar para ele?" Ilustração Atômica Studio Leio que na Espanha descobrem uma rede de "estupradores de bebês". Tenho de reler mais de uma vez, pois a mensagem não entra em meu contexto, minha vida. Uma rede, sim: cúmplices pegam os bebês, de até 2 ou 3 anos, que são violentados e submetidos ao que chamam de "humilhações horripilantes". Para bebês não creio que haja sensação de humilhação, mas de profundo, excessivo, brutal terror e sofrimento. E suas mães, seus pais, suas famílias... E nós, e nós? Olho minhas netas e meu neto menores, com menos de 3 anos, e descubro que às vezes quero a pena de morte. Aqui no Brasil acabam de flagrar um indivíduo recordista, por estas paragens, em matéria de fotos obscenas com crianças. O que desejar para ele? Falhei nesse contexto, e me penitencio: pois me chamaram para gravar depoimentos sobre violência sexual e exploração de crianças, e por desencontros alheios a minha vontade não consegui cumprir o pedido. Mas leio sobre isso nos jornais, vejo na televisão, conheço histórias também horripilantes sobre violência sexual contra crianças e adolescentes em sua própria família, sem contar os monstros que andam soltos por aí em nossas desprotegidas ruas. E quero a pena de morte. • • • Terroristas explodem mulheres, crianças, pais de família, estudantes, velhos fragilizados. Se se explodem junto, problema deles. Mas as crianças, jovens, velhos podiam ser meus amigos, meus familiares, e, mesmo se não forem, são meus irmãos nessa estranha e insana raça humana. Nesse caso, não adianta querer a pena de morte, pois eles a aplicaram a si mesmos, certos da glória a posteriori... • • • Não sei que pena eu desejaria para os ídolos de pés de barro, os santos de pau oco ou os caras-de-pau escrachados deste país, que se autodenominaram salvadores da pátria, varões de Plutarco, porta-bandeiras da esperança dos homens decentes e dos injustiçados em geral. A pena da humilhação pública? Me parece que alguns se divertiriam em lugar de se penitenciar. A pena da perda de cargos, suspensão de direitos? Cadeia nem falo porque entrariam por uma porta e sairiam pela outra. Do jeito que as coisas andam, duvido que a idéia os assuste. Se houver as anunciadas investigações severas e reais, certamente muitos sairão do país de mansinho, apenas mudando de endereço, e talvez de idioma, suas trapaças e estripulias. Lembro uma de minhas avós, suspirando horrorizada ao ver o que julgava ser modernismos excessivos na minha adolescência: meninas de calças compridas. E dizia: "Graças a Deus eu já criei meus filhos". Não sei bem qual deveria ser agora a minha exclamação de horror. Talvez: "Em que mundo vivem e vão crescer meus netos, hoje pequenos e adolescentes?". Ou mais otimista: "Vai ver isso que hoje me choca é antes fantasia minha do que realidade". Li inúmeras vezes que séculos atrás já havia quem suspirasse desse jeito, e afinal o mundo continuou, a humanidade andou, nascemos e vivemos e morremos. Embora seja bastante trapalhona, essa humanidade não é de todo burra: acaba consertando até certo ponto, ou compensando, as bobajadas ou faltas mais graves que cometeu. Será que tudo o que nos acontece nestes dias ainda tem conserto, ou será mais uma vez varrido para debaixo do tapete? Seja o que for que vai acontecer, nunca mais seremos os mesmos. Espero que sejamos melhores, mais seguros, mais confiantes, mais justificadamente orgulhosos deste país. Lya Luft é escritora

Nenhum comentário: