sábado, 6 de dezembro de 2008

40ª Crônica escrita por Lya Luft para "Revista Veja" em 05/10/2005

Ponto de vista: Lya Luft Tirem as crianças da sala "Na hora das CPIs, em que alguns de nossos 'representantes' berram insultos e trocam tapas, façam como fariam se passasse na televisão um filme pornográfico: tirem as crianças da sala" "Ama-me como sou", diz o belo filme de Tizuka Yamazaki, que é uma boa lição sobre o amor. O pedido é difícil, e não sei se é justo: "eu sou assim", "as coisas são como são", "não adianta espernear porque nada muda mesmo". Quando se trata de nosso país, as frases são mais ou menos essas, mas são frases perigosas. Melhor dizer: estamos neste período; então, como agir de modo eficaz para que a situação melhore dentro do possível? Isso é realismo político, que nos falta num Brasil em que se encontra uma utopia em cada esquina, uma ideologia para cada gosto: marxismo terceiro-mundista, cristianismo revolucionário, todas as formas de messianismo, nacionalismo desenvolvimentista, e por aí vai. Ilustração Atomica Studio Como amar neste momento esta terra nossa? Esperando e exigindo muito mais do que está sendo feito. Gritando e reclamando que se aprumem, se respeitem, nos respeitem e nos tratem melhor. Desejando que não acabe tudo numa geral acomodação, poucos bois de piranha atirados às águas turvas. Como a nossa tendência é de luto e lamentação por chateações eventuais, estaremos nos queixando demais por coisa menor, ou vivemos realmente uma tragédia moral nacional? Receio que sim, é uma tragédia. Receio que a situação seja dramática, mais ainda na medida em que o tempo passa e nada se resolve. O hábito funesto de varrer os problemas para debaixo dos tapetes da indiferença e da conformidade volta a ser cultivado, depois de um início entusiástico de descobertas e acusações. Multiplicaram-se num momento inicial as revelações, ameaças e cifras que não conseguimos avaliar e que por isso nos atingem menos. Aos poucos, porém, tudo vai ficando morno e repetitivo, tedioso mesmo, quando não irreal, impossível. Acontece em algum país distante, não aqui. Mas é aqui, é na nossa vida concreta, é no nosso bolso e na nossa honra que tudo acontece. Ainda nos iludimos achando que as coisas vão acabar bem, que não são tão ruins quanto parecem, que ninguém consegue nadar contra a correnteza, e o melhor é cada um tratar da sua vida, que corrupção e logro fazem parte da política. Sinto muito dizer que não fazem parte como coisa normal, e que a gente não os pode aceitar, até por respeito aos políticos honrados que também conhecemos. Precisamos muito deles neste momento crítico, precisamos de homens de personalidade forte e convicções sólidas, com boa dose de realismo. Para que finalmente alguém diga a verdade, que não precisa ser buscada, pois muitos já conhecem a origem e o destino daquele oceano de dinheiro e de imoralidade ainda encoberto para a maioria de nós. Homens com independência suficiente e vontade real de transformar este país em um lugar mais limpo. Não acredito que não se possa fazer a necessária faxina, tirando de seus cargos, prendendo ou expulsando os corruptos mais conhecidos (e os ainda ocultos) do Brasil. Agora, raio de esperança, descobre-se que também o esporte pode estar contaminado. De futebol as pessoas entendem melhor, sentem diretamente no bolso o mau uso do sacrificado dinheiro das entradas dos jogos, dos quais alguns resultados, talvez, tenham sido fraudados. E quem sabe farão a ponte: também estamos sendo fraudados nesses temas obscuros que paralisam o país. Isso tem de acabar!!! Como pouco podemos fazer a não ser pelo voto e pela postura prática, deixo aqui a minha sugestão: amemos do jeito que dá, em cada ocasião, a cada pessoa ou coisa, ou a este país, sem desistir de uma limpeza profunda já – embora possivelmente acabemos lutando contra moinhos de vento, enquanto as águas escuras sobem, sobem... Mas, por favor, ao menos na hora das CPIs, em que alguns de nossos "representantes" berram insultos e trocam tapas, quando não fazem perguntas medíocres e desinformadas, façam como fariam se passasse na televisão um filme pornográfico: tirem as crianças da sala. Lya Luft é escritora

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