sábado, 5 de fevereiro de 2011

# MINHA INFÂNCIA NA PRAIA







Foi muito bom ter sido criança numa praia que era quase roça. Eu acordava de pé no chão e ia para a areia descalça, só de maiô, sem pareô nem camiseta, nem toalha, nem esteira, nem dinheiro. Minha mãe levava uma barraca e ficava na sombra o tempo todo. A brincadeira era correr atrás dos siris brancos, que andavam de lado e se enfiavam nos buracos. Balde e pá eram os únicos brinquedos, e eu fazia sempre a mesma coisa: um castelo enfeitado com gotas de areia úmida. Também pegava gravetos para escrever no chão, mas às vezes a brincadeira se tornava mais excitante: uma de nós era enterrada, ficando só com a cabeça de fora. Era a primeira atração pelo perigo, e na minha vez quase morria de medo de a noite chegar, ser esquecida e ficar ali para sempre. Detalhe: meninas brincavam com meninas, meninos com meninos. Ao meio-dia era hora do almoço, mas nada de tomar banho e mudar de roupa: ia para a mesa com o maiô molhado e depois ficava sentada no chão da varanda. Houve um tempo em que as crianças não faziam nada e eram felizes, veja você. Lá pelas 4 horas, tomava uma chuveirada, lavava a cabeça, botava um vestido bem limpinho e bem fresquinho e ia passear na beira do mar, descalça. O sol ia sumindo e a gente com os pés na água, correndo das ondas para não molhar a roupa. Sempre vinha um cheiro bom de maresia, uma mistura de água salgada, mariscos e sargaços, que dava gana de respirar fundo e viver muito. Ainda não se falava em odores afrodisíacos. Um dia, meu pai me deu um martelinho e uma faquinha para tirar ostras e mexilhões da pedra e comer na hora, ainda vivos, para horror dos nativos. Foi minha primeira incursão na gastronomia, que, aliás, me criou um grande problema: nunca mais, em nenhuma Bretagne da vida, comi uma ostra tão boa como as de minha infância, mesmo que viesse com uma pérola dentro. O sol era forte, mas ninguém pensava em se proteger – nem tinha como. No máximo, minha mãe dizia: “Menina, vem para a barraca”. Eu não ia, mas gostava de saber que alguém tomava conta de mim. À noite, as costas ardiam, e o remédio era passar uma mistura de polvilho com cachaça nos ombros. Aliviava, mas não evitava que a pele caísse toda. O corpo ardia, e era tão bom a pele arder por ter tomado sol demais, tão boa a vida antes dos problemas da camada de ozônio. O jantar era às 7 e não havia televisão. Eu e minhas primas – espécie em extinção – ficávamos pelos cantos, com sono, mas sem querer dormir. Quando, às vezes, uma começava a coçar um dedo, vinha logo a empregada ver se não era bicho-de-pé. Todo mundo queria que fosse, e aí era o momento de pegar uma agulha, passar no álcool, acender um fósforo – para esterilizar – e ir levantando a pele de cima, a mais grossa; depois a outra, a mais fina; e todo mundo torcendo para o bicho sair inteiro. Quando isso acontecia, ficava um buraquinho, mas sem uma só gota de sangue. Na hora de dormir, não tinha abajur, e a gente ficava acordada no escuro esperando o sono aparecer. Nunca passou pela minha cabeça que o ano 2000 ia chegar, e, quando vejo hoje as praias cheias, sem espaço para estender uma toalha, morro de inveja de Jacqueline Onassis, que tinha uma ilha na Grécia só dela, onde podia tomar banho de mar nua. Como deve ser bom

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