terça-feira, 10 de maio de 2011

O CRAVO E A ROSA



Chegamos ao limite da insanidade da onda do politicamente correto.


Soube dia desses que as crianças, nas creches e escolas, não cantam mais

'O cravo brigou com a rosa'. A explicação da professora do filho de um

camarada foi comovente: a briga entre o cravo - o homem - e a rosa - a

mulher - estimula a violência entre os casais. Na nova letra, "o cravo

encontrou a rosa/ debaixo de uma sacada/o cravo ficou feliz /e a rosa

ficou encantada".

Que diabos é isso? O próximo passo é enquadrar o cravo na Lei Maria da

Penha. Será que esses doidos sabem que O cravo brigou com a rosa faz

parte de uma suíte de 16 peças que Villa Lobos criou a partir de temas

recolhidos no folclore brasileiro?

É Villa Lobos, cacete!

Outra música infantil que mudou de letra foi Samba Lelê. Na versão da

minha infância o negócio era o seguinte: "Samba Lelê tá doente/ Tá com a

cabeça quebrada/ Samba Lelê precisava/ É de umas boas palmadas". A

palmada na bunda está proibida. Incita a violência contra a menina Lelê.

A tia do maternal agora ensina assim: "Samba Lelê tá doente/ Com uma

febre malvada/ Assim que a febre passar/ A Lelê vai estudar".

Se eu fosse a Lelê, com uma versão dessas, torcia pra febre não passar

nunca. Os amigos sabem de quem é Samba Lelê? Villa Lobos de novo. Podiam

até registrar a parceria. Ficaria assim: Samba Lelê, de Heitor Villa

Lobos e Tia Nilda do Jardim Escola Criança Feliz.

Comunico também que não se pode mais atirar o pau no gato, já que a

música desperta nas crianças o desejo de maltratar os bichinhos. Quem

entra na roda dança, nos dias atuais, não pode mais ter sete namorados

para se casar com um. Sete namorados é coisa de menina fácil. Ninguém

mais é pobre ou rico de marré-de-si, para não despertar na garotada o

sentido da desigualdade social entre os homens.

Dia desses alguém [não me lembro exatamente quem se saiu com essa e não

procurei a referência no meu babalorixá virtual, Pai Google da Aruanda

foi espinafrado porque disse que ecologia era, nos anos setenta, coisa

de viado. Qual é o problema da frase? Ecologia, de fato, era vista como

coisa de viado. Eu imagino se meu avô, com a alma de cangaceiro que

possuía, soubesse, em mil novecentos e setenta e poucos, que algum

filho estava militando na causa da preservação do mico leão dourado,

em defesa das bromélias ou coisa que o valha. Bicha louca, diria o velho.

Vivemos tempos de não me toques que eu magoo. Quer dizer que ninguém

mais pode usar a expressão coisa de viado ? Que me desculpem os

paladinos da cartilha da correção, mas isso é uma tremenda babaquice. O

politicamente correto é a sepultura do bom humor, da criatividade, da

boa sacanagem. A expressão coisa de viado não é, nem a pau (sem duplo

sentido), ofensa a bicha alguma.

Daqui a pouco só chamaremos o anão - o popular pintor de roda-pé ou leão

de chácara de baile infantil - de deficiente vertical . O crioulo -

vulgo picolé de asfalto ou bola sete (depende do peso) - só pode ser

chamado de afrodescendente. O branquelo - o famoso branco azedo ou Omo

total - é um cidadão caucasiano desprovido de pigmentação mais evidente.

A mulher feia - aquela que nasceu pelo avesso, a soldado do quinto

batalhão de artilharia pesada, também conhecida como o rascunho do mapa

do inferno - é apenas a dona de um padrão divergente dos preceitos

estéticos da contemporaneidade. O gordo - outrora conhecido como rolha

de poço, chupeta do Vesúvio, Orca, baleia assassina e bujão - é o

cidadão que está fora do peso ideal. O magricela não pode ser chamado de

morto de fome, pau de virar tripa e Olívia Palito. O careca não é mais o

aeroporto de mosquito, tobogã de piolho e pouca telha.

Nas aulas sobre o barroco mineiro, não poderei mais citar o Aleijadinho.

Direi o seguinte: o escultor Antônio Francisco Lisboa tinha necessidades

especiais... Não dá. O politicamente correto também gera a morte do

apelido, essa tradição fabulosa do Brasil.

O recente Estatuto do Torcedor quer, com os olhos gordos na Copa e 2014,

disciplinar as manifestações das torcidas de futebol. Ao invés de mandar

o juiz pra putaqueopariu e o centroavante pereba tomar no olho do cu,

cantaremos nas arquibancadas o 'Allegro' da Nona Sinfonia de Beethoven,

entremeado pelo coro de 'Jesus, alegria dos homens', do velho Bach.

Falei em velho Bach e me lembrei de outra. A velhice não existe mais. O

sujeito cheio de pelancas, doente, acabado, o famoso pé na cova, aquele

que dobrou o Cabo da Boa Esperança, o cliente do seguro funeral, o

popular tá mais pra lá do que pra cá, já tem motivos para sorrir na

beira da sepultura. A velhice agora é simplesmente a "melhor idade".

Se Deus quiser morreremos, todos, gozando da mais perfeita saúde.

Defuntos? Não.

Seremos os inquilinos do condomínio Cidade do pé junto.

Luiz Antônio Simas

(Mestre em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e

professor de História do ensino médio).
ESSA CRÔNICA FOI UM PRESENTE A MIM ENVIADO,POR MINHA AMIGA MAZÉ


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