sábado, 6 de dezembro de 2008

34ª Crônica escrita por Lya Luft para "Revista Veja" em 13/06/2005

Ponto de vista: Lya Luft A revolução da decência "Podemos usar essa tremenda crise para mudar. Nossas dores de agora podem ser dores de crescimento, não de naufrágio, para assumirmos de uma vez por todas o nosso papel em relação ao nosso país" Na faxina iminente e urgentíssima em nossa política, burocracia e várias instituições, em nosso modo de escolher, eleger, governar, atuar e administrar, a imprensa está tendo um papel magnífico. Ninguém mais pode dizer "Eu não sabia" nem se fingir de inocente. Os problemas, a gente adivinhava que existiam, embora poucos imaginassem quantos e de que gravidade. Hoje eles saltam na nossa cara em jornal, revista, rádio e televisão, feito monstrinhos de filme de ficção científica, grudando na nossa perplexidade. É salutar, ainda que doa. Pois a ignorância e a desinformação são humilhantes. Não podemos querer ficar em paz enquanto tudo não for clareado e limpo. Não há nada de divertido em sermos, como disse alguém, um país de rabos presos: muitos políticos que dançam feito macacos, segurando um o rabo do outro... A idéia seria de rir se não fosse de chorar. Ilustração Atômica Studio Somos passageiros de uma nau cujos mandantes, se nada sabiam das rachaduras no casco, estavam seriamente alienados daquilo que deviam governar; se sabiam e não tomaram providências, não mandaram investigar a fundo nem prestaram contas ao povo que os elegeu, foram gravemente omissos e inegavelmente cúmplices. De qualquer maneira o barco em que estamos metidos aderna fortemente, e não sabemos para que lado cai ou para que margem poderia se dirigir. Para não nos atolarmos num esquerdismo radical e ultrapassado, nem girarmos no redemoinho da anarquia e do desgoverno, é preciso – urgentemente – abrir os olhos, agir e reagir, implantar em nossa vida pessoal e neste nosso país o governo da ética. Ética, do grego ethos, "costume", é um conjunto de bons costumes – isto é, decência. O Brasil não é uma abstração ou um mapa: são quase 200 milhões de vidas, gente que batalha no seu duro cotidiano e não merece ficar à mercê dessa ópera-bufa, tendo nos bastidores dramas morais e cinismos espetaculares, facilitados pela cumplicidade e pela omissão. A ignorância é a mãe de boa parte de nossos males. Precisamos ser educados, informados, para compreender e escolher. Idéias são fruto de educação. Apesar da imoralidade de muitos, poderemos ter esperança se nos tornarmos um povo mais ético – habituado à honradez, implacável quando se trata de escolher seus representantes e até mesmo as condições da própria vida pessoal. Não quero fome zero, mas desinformação zero. Trabalho (que traz dignidade) e educação (que nos esclarece e nos torna capazes de optar) deviam ser nosso objetivo premente agora. Não mais palavrório vazio sobre democracia, mas seu exercício verdadeiro, com lucidez e determinação. Uma bela reforma, também em cada um de nós. Microrrevolução, em que cada um tenta ser decente, manter-se decente e pensar sobre o que é decência, a começar na família – que, mesmo com todas as mudanças sociais, continua existindo como o quartel-general de nossas idéias e atitudes básicas pelo resto da vida. Simultaneamente, urge transformar – agora, hoje, não amanhã – a escola elementar e a secundária, onde se capacitam crianças e jovens a ser cidadãos dessa democracia ética. Com professores valorizados e preparados, capazes de preparar seus alunos para questionar, escolher bem e viver segundo regras éticas. Uma escola que não finja ser uma espécie de pseudofamília ou um lugar insosso, como se estudar fosse a beirada fria e desinteressante do mingau da formação de cidadãos prestantes. Por todo lado, estruturas abaladas e ídolos de barro rachados, confusão e covarde busca do interesse próprio: qualquer recurso vale para salvar a pele. Mas também estamos despertando do torpor e da ilusão que infantilizam. Ainda acredito que a gente pode usar essa tremenda crise para mudar: nossas dores de agora podem ser dores de crescimento, não de naufrágio, para podermos participar, escolher, fiscalizar e assumir de uma vez o nosso papel em relação ao nosso país. Esta é a hora. Lya Luft é escritora

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