sábado, 6 de dezembro de 2008

35ª Cônica de Lya Luft para "Revista Veja" escrita em 27/06/2005

Ponto de vista: Lya Luft É hora de agir "Poderíamos ter optado diferentemente em várias eleições – mas nos entregamos a miragens sedutoras e idéias sem fundamento. Deixamos de pegar nas mãos as rédeas da nossa condição de brasileiros, e isso pode não ter volta" Enquanto um misto de tragédia e pantomima se desenrola aos nossos olhos atônitos, escrevo esta coluna meio ressabiada: como estará o Brasil quando ela for publicada, isto é, em um, dois dias? Estamos no meio de um vendaval desconcertante: numa mistura entre público e privado como nunca se viu, correntes inimagináveis de dinheiro sem origem ou destino declarados jorram sobre nós levando embora confiança, ética e ilusões. Ilustração Atomica Studio O drama é que não somos arrastados por "forças ocultas" ou ventos inesperados. Devíamos ter sabido. Muitos sabiam e vários participaram – embora apontem o dedo uns para os outros feito meninos de colégio: "Foi ele, foi ele, eu não fiz nada, eu nem sabia de nada, ele fez muito pior". Espetáculo deprimente, que desaloja de seu acomodamento até os mais crédulos. Se mais bem informados, poderíamos ter optado diferentemente em várias eleições – mas nos entregamos a miragens sedutoras e idéias sem fundamento. Agimos como cidadãos assim como fazemos na vida: omissos por covardia ou fragilidade, por fugir da realidade que assume tantos disfarces. Deixamos de pegar nas mãos as rédeas da nossa condição de indivíduos ou de brasileiros, e isso pode não ter volta. Fica ali feito um fantasma pérfido: anos depois salta da fresta, mostra a língua, faz careta, ri da nossa impotência. Não dá para voltar, nem sempre há como corrigir o que se fez de errado, ou que deixou de ser feito e causou graves mazelas. É tão mais fácil bancar a vítima – do universo, que faz mil armações para nos ferrar, dos outros, que querem nos prejudicar, e assim por diante. Usamos o eterno "fui enganado, estava distraído, estou fora, não tenho nada com isso". Nossas desculpas nem ao menos variam, mas a omissão é sempre o mesmo crime. Quando o desalento ou a decepção expõem nossos enganos, se tivermos boa vontade havemos de reconhecer: "Pessoas em quem confiei foram cúmplices e, se eu não sabia, devia ter me informado". Aqui e ali eu podia ter feito diferente: agir, mudar minha atitude, assumir algumas coisas, dar uma guinada em minha vida ou na vida do meu país, da minha cidade, da minha casa. Escolher, em lugar de me conformar. Mas escolhemos não escolher, decidimos pela indecisão, aceitamos a fantasia que nos apresentavam. Outros, ou "a vida", optaram por nós – nem sempre a nosso favor. A verdadeira tragédia moral que nestes dias se abate sobre nós, com personagens que deviam estar presos defendendo teses patéticas porque obviamente mentirosas, nos dá oportunidade de rever muitos mitos e adquirir mais lucidez e mais coragem. Mesmo optando por "ficar de fora", um dia pagaremos (já pagamos bastante) o alto preço da omissão, de não agirmos conforme uma justa indignação movida pela clareza e pela fé. Se é que temos alguma, pois é bom indagar: ainda acreditamos em algo, e em que acreditamos? Fica difícil ter esperança, porém, em certos momentos, é preciso ser guerreiro. Nem guerrilheiro nem terrorista: um dos heróis do cotidiano que querem informação, querem a verdade. Não para se lamentar e choramingar, mas para agir com coragem e honradez. A começar, digo sempre, pela postura pessoal. O tempo voa. Vamos perseguir a verdade sem desviar a atenção quando algo nos desagrada ou acusa. Vamos encarar os problemas em lugar de apontar para o vizinho ou o adversário, como fazem agora os pusilânimes. Vamos preparar um terreno melhor para as novas eleições, se chegarmos intactos a elas, na busca de uma democracia em que impere a integridade e nossa confiança não seja burlada. Como disse a personagem real de um filme recente, referindo-se à sua participação na tragédia de seu país: "Eu não sabia, ou não queria acreditar. Mais tarde entendi que não havia desculpa para não ter me informado melhor. E assim acabei cúmplice de tão grandes males". Que este terremoto brasileiro tenha um fim positivo, e depois dele poucos de nós precisem fazer a mesma terrível afirmação. Lya Luft é escritora

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