sábado, 6 de dezembro de 2008

43ª Crônica escrita por Lya Luft para "Revista Veja" em 16/11/2005

Ponto de vista: Lya Luft Quem, por quê? "Quem maneja os cordéis nos quais balançam e se debatem os brasileiros menos alienados?" Confesso que habitualmente, ao escrever, procuro me abstrair dos leitores para não me condicionar. Pensar se alguém vai aprovar ou detestar o que escrevo me perturbaria, e a escrita é o território da minha liberdade. Mas me agrada partilhar questionamentos com essa entidade meio abstrata que é para mim "o leitor". Que, diga-se de passagem, não tem sexo nem idade, portanto seria bom varrer definitivamente para a lata de lixo rótulos tolos como "ela escreve para mulheres sobre mulheres", comentário de quem leu mal ou nunca leu nada do que escrevo. Rostos e nomes emergem dessa abstração "leitor" e me interpelam: gostam, detestam, estimulam, sugerem. Ultimamente, aqui e ali, na rua, no supermercado, seja onde for, um leitor desconhecido toca meu braço ou chama meu nome e diz algo como: "Lya, não desanime! Não desista!" Atomica Studio Claro que, mesmo correndo o risco de me tornar repetitiva – porque o drama se arrasta e cenas se repetem cansativamente –, não vou desanimar nem desistir. Novas notícias aparecem, algumas espantosas, como esta: "Polícia Federal queixa-se de que o governo atrapalha seu trabalho", manchete em vários jornais. Há reações e indignação, gerando esperança de que as coisas se encaminhem para um final decente, na faxina essencial para que a gente ande outra vez de cabeça erguida e com menos sobressalto. Pois estamos sobressaltados, estamos cheios de dúvidas. Contradições e perplexidades nos acenam com suas mãos inquietantes. Minha dúvida mais obstinada nestes últimos dias tem sido: Quem (onde e por quê), semi-oculto, uno ou múltiplo, maneja os cordéis nos quais balançam e se debatem os brasileiros menos alienados? Quem e por que tudo faz para atrapalhar o trabalho das comissões, em que, correndo riscos e sofrendo ameaças nem sempre veladas, tantos se empenham em decifrar o aparente enigma e nos devolver o orgulho e a moral? Por que se desviam, negam e sonegam informações e verdades aos que buscam descobrir o caminho dos bilhões de reais roubados por quem deveria estar zelando por nosso bem-estar? Por que se evita tão tenazmente a identificação dos que malbarataram nosso dinheiro e nossa confiança? Quem é esse "quem"? O governo, dizem muitos, e pergunto: quem é afinal "o governo"? Estamos rodeados de fantasmagorias? Mais: por que algumas figuras até agora respeitadas no cenário público parecem não ter vontade de ver desvendado logo esse segredo, certamente velho conhecido de alguns iniciados? Mais do que intrigante, é um pouco assustador ver que os acusados, talvez culpados, de qualquer forma os mais atingidos, em lugar de abrir o cofre da verdade para mostrar sua inocência, tudo fazem para que as chaves sejam jogadas no mar do ignorado. Ainda por cima, erguem a marola das contra-acusações e das jogadas nem sempre leais, para perturbar o bom andamento das coisas. Nem desalento nem demais otimismo são aconselháveis, mas não se pode fugir da pergunta: Quem comanda atrás dos bastidores esse espetáculo de obstruções e enredamentos, de negação do evidente e de recursos às vezes patéticos para desviar a atenção ou adiar revelações? Quem sabe de segredos que não devem ser expostos, e por que razão não os quer desvendados, se não tem culpa nem é cúmplice de malfeitos? As verdades seriam tão sérias que poderiam nos desestabilizar enquanto país? Não tenho respostas: só indagações, como "quem" e "por quê", junto com o desejo de que tudo seja levado até o fim pelos homens decentes que insistem em abrir difíceis brechas nesse território de tantas manobras. Para que este país não acabe sendo um corpo na aparência sadio e internamente devastado por uma enfermidade que, por medo, nunca recebeu diagnóstico claro nem tratamento eficaz. Lya Luft é escritora

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