quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Rock in Rio 1985

Apertem os cintos e me acompanhem numa viagem no tempo. Ao ler hoje, no jornal, que o Rock in Rio será novamente apresentado no Brasil, ano que vem, me lembrei do primeiríssimo Rock in Rio, 25 anos atrás. Foi em outra vida, mas nunca esqueci.
Em dezembro de 1984 eu fui demitida da agência de publicidade onde trabalhava. Única vez na vida em que fui demitida, e devo admitir: mereci. Não queria nada com o batente. Auge do verão, pensei: não vou voltar a procurar emprego agora, quero viajar. Trabalho, só em fevereiro. Na época estava namorando há cinco meses um publicitário que não era muito chegado em rock, era um jazzman, mas tinha pique e gostou da ideia de fazer uma viagem de carro para assistir ao Rock in Rio, já que as férias dele seriam em janeiro também (também! como se a desempregada aqui estivesse de férias…). Seria nossa primeira aventura on the road.
Ingressos na mão, tudo certo. Mas havia uma questão: éramos meio durangos. Tínhamos decidido passar o mês inteiro na estrada, como pagar hospedagem durante esse tempo todo? Nunca fomos muito fã de acampar em barraca, então ele sugeriu: vamos alugar um trailer? Topei na hora. Os fogos de artifício nem haviam desaparecido do céu, anunciando a chegada de 1985, e botamos o maverick vermelho na estrada. Juro por Deus. Um maverick vermelho puxando um pequeno trailer caindo aos pedaços. A cena hoje me parece uma chinelagem total, mas foi uma das passagens mais originais da minha história. Credo, eu já tenho uma história.
Estávamos na primeira meia-hora da viagem, ainda na freeway, quando meu namorado lembrou que havia esquecido sua carteira no apartamento dele. Começamos bem. Voltamos, pegamos a maldita/bendita carteira, voltamos pra estrada. Nossa primeira parada foi em Torres (RS), e a segunda em Bombinhas (SC), onde encontramos uma turma de amigos acampados por lá. Foi um deles, o Gaspar, que apelidou nosso trailer de “bolanta”. O que é uma bolanta? Só um pouquinho que vou perguntar pro Mr. Google e já volto.
Achei: bolanta é uma “edificação móvel para uso temporário”. Pois então. O Gaspar sabia das coisas. Até hoje lembro do trailer como a bolanta. Quebrou um galhão, a bolanta.
Próxima parada: São Francisco do Sul, onde chegamos num final de tarde e saímos na manhã seguinte, mas lembro que era um lugar mágico, histórico, romântico. Recentemente estive em Joinville, ali perto, e pensei: tenho que voltar um dia a São Chico do Sul para saber se é mesmo aquilo tudo que ficou no meu imaginário.
O dia seguinte foi de muita quilometragem, cruzamos o Paraná sem parar e fomos direto para as praias da Rio-Santos. Lembro que dividi a direção com meu namorado. Sim, ele me deixou dirigir o maverick puxando o trailer, aquele trambolhão numa estrada movimentada cheia de curvas . Confiante, o rapaz. E eu, uma doida. Outros tempos.
Minha memória se dispersa um pouco nessa parte, lembro que conhecemos várias praias, mas os QGs foram Maresias e Parati. Foi um janeiro de sol escaldante. Enlouqueci com Parati, que cidadezinha charmosa, caminhamos muito por lá, e lembro até de ter andado numa roda-gigante à noite, numa praça da cidade. Coisas de viagem… Por incrível que pareça, não tenho uma única foto desses dias, não levamos máquina, ou não tínhamos, sei lá.
Chegamos ao Rio nos primeiros dias do festival, mas os shows se repetiriam, então resolvemos deixar a bolanta num camping em Jacarepaguá e ir de carro até Ouro Preto, que nenhum dos dois conhecia. Tiramos da cartola essa ideia de ir pra Minas quando o sol já estava se pondo, lembro que foi uma puxada, chegamos em Ouro Preto com a noite avançada, mas conseguimos vaga num hotelzinho bem no alto da cidade. Simples, porém com uma vista sensacional. Acho que ficamos dois dias. Numa noite em que não tínhamos nada para fazer, fomos assistir a um filme pornô num cinema, era o que havia. Que programinha mais trash. . Eu era a única mulher no cinema - aliás, devia ter só mais um ou outro cara, quem vai se prestar a assistir filme pornô em Ouro Preto? Sem cabimento. Foi a única vez que assisti um troço brega desses, mas éramos dois franco-atiradores na estrada, e tendo humor - tínhamos! - valia qualquer diversão.
Voltamos pro Rio na manhã em que Tancredo Neves foi eleito presidente do Brasil por voto indireto (nunca chegou a tomar posse, como se sabe). O festival já estava rolando (durou de 11 a 20 de janeiro). Pegamos uma praia em São Conrado e à tardinha voltamos pra bolanta: era dia do nosso primeiro show. Lembro que meu namorado foi tomar uma cerveja no bar do camping enquanto eu fiquei no trailer me arrumando. Quando ele foi me buscar, não acreditou no que viu. Parecia que eu estava indo para um shopping, de calça branca, blusinha nova, acho que botei até salto alto. Ele teve um acesso de riso: “Tu tem ideia pra onde estamos indo? Pro meio da lama!!” Eu, teimosa, disse que iria daquele jeito mesmo, estava me sentindo um doce-de-coco, mas logo percebi meu equívoco. Tarde demais. Virei a abominável mulher de barro: choveu e aquilo lá virou woodstock. Da tal sandália nunca mais tive notícia, e a calça branca… Rá.
Nos dias seguintes, camiseta, jeans, tênis e rabo-de-cavalo. Pô, óbvio.
Foram muitos shows, mas lembro que o mais espetacular foi o do Queen. Ver Freddy Mercury cantando “Love of my life” a capela e regendo aquela multidão que cantava com ele, foi de arrepiar. Até hoje essa imagem circula nos “vale a pena ver de novo” da vida como o momento clássico do Rock in Rio 85. Crianças, eu estava lá!! Me belisquem.
Durante um dos shows, olhei para o lado e pensei: conheço essa figura. Era uma mulher com o cabelo bem raspadinho, belíssima de rosto, sozinha, dançando. Monique Evans.
Vimos de tudo: Yes, Rod Stewart, B-52, Nina Hagen, Ozzy Osborne… E Barão Vermelho, Rita Lee, Blitz, Lulu Santos, Kid Abelha, Paralamas (nos idos tempos em que Herbert Vianna usava óculos e namorava Paulinha Toller).
Inesquecível, tudo.
Fim de festa. Aquelas mais de 200 mil pessoas - por noite! - voltaram para suas casas, suas cidades, seus Estados. Nós voltamos para Bombinhas e ficamos uma semana lá com a turma de amigos que seguia acampada. Mar, calor, nenhuma nuvem no céu. Eu na época não me cuidava bem e acabei pegando uma insolação. Passei um dia inteiro de molho dentro da bolanta… Mas nem isso maculou um dos melhores verões da minha vida.
Aí voltamos pra Porto Alegre, devolvemos a bolanta para o dono e fomos cada um pra sua casa - eu ainda morava com meus pais, ele sozinho. Uma semana depois já estava empregada de novo. O namorado? Casei com ele, tivemos duas filhas e vivemos juntos por felizes 17 anos. Hoje é um querido amigo, está casado de novo e segue preferindo o jazz.
Já não se fazem festivais de rock como antigamente. Em 1985, foi tudo meio woodstock mesmo, o chão era pura lama, não havia telões, camarotes, e lembro de apenas uma lanchonetezinha nos fundos do terreno, assim como meia-dúzia de banheiros, tudo muito precário. Nem sombra da megaestrutura que se dispõe hoje. Passava-se trabalho, claro, mas, por outro lado, era uma experiência genuína. Só encarava essa indiada quem gostava realmente de música e de aventura.
Esqueci: ter 23 anos colaborava também.
Rock in Rio 2011. Se eu for, conto tudo de novo
Beijos!
Martha Medeiros

3 comentários:

chica disse...

Adoro ler a MARTHA E ELA É SEMPRE BRILHANTE E NOS PRENDE ATÉ O FINAL.lINDO TEXTO!BEIJOS,CHICA

Tânia T. disse...

Que ótimo texto!!
Cheio de emoções!!


Oi Liz!! Fiquei muito feliz com o seu comentário no meu blog. TE espero mais vezes lá. Também gostei muito daqui e vou voltar mais vezes com certeza.

DEsejo pra ti uma ótima quinta feira!!!

bjoO

Mônica disse...

Liz
Eu adorei sua história.Voce foi no Rock in Rio! E o maximo!
Só queria que tivesse ficado até o final com seu marido!
Mas mesmo assim, minha nota pro melhor do dia é sua! Mil! E um trofeu de melhor conto!
Quero ler na revista de novo!
com carinho MOnica